Por dentro dos estúdios de games
Os games no cinema
Já pensou em trabalhar produzindo games? Esse é o sonho
de muitos que cresceram acompanhando a evolução das plataformas,
passando pelo Atari e Super Nintendo, até aqueles que já nasceram em uma
época onde RPGs online e Playstation 3 são as fontes de diversão
eletrônica. A idéia de trabalhar com algo que é puro entretenimento mexe
com a imaginação de quem está familiarizado com os games. Mas afinal,
como é possível trabalhar com isso no Brasil? E como é o dia-a-dia no
ambiente de trabalho de um estúdio de games?
Para ajudar a esclarecer essas dúvidas, a Adrenaline
visitou alguns estúdios nacionais e conversou com seus executivos,
buscando compreender um poucos desse mercado em nosso país, como você
confere a seguir.
Sem formalismo, mas com seriedade
Ao entrar em um estúdio de games, geralmente localizados
em prédios comerciais que agregam empresas de tecnologia, você irá se
deparar à primeira vista com uma estrutura de escritório normal, com
ilhas, cubículos, persianas e divisórias. No entanto, a presença do
espírito gamer é o que faz a diferença. Na Tectoy Digital,
situada em Campinas, por exemplo, logo de cara encontramos uma vidraça
com a reprodução da Green Hill Zone a primeira fase do Sonic para Mega
Drive. Qualquer um que esteja procurando o andar onde trabalham com
joguinhos já encontrou o seu destino ao ver esse painel logo ao sair do
elevador.
Entrando em um estúdio, o que mais chama a atenção é a
quantidade de pôsteres e objetivos decorativos de personagens, não só de
games, mas também de quadrinhos, filmes e desenhos animados. Clássicos
como Mario e seus amigos, o pessoal do Street Fighter, Darth Vader e
quem mais vier de Star Wars, ou ainda ícones mais recentes, como o
Kratos de God of War, decoram cada mesa ou estante. Aqui você não
precisa ter medo de ser chamado de crianção por gostar dessas coisas.
Pelo contrário, quem não traz de casa seu personagem favorito pode até
ser olhado com estranheza pelos colegas.
Nada de mocassins ou abafadas roupas sociais. Aqui a vestimenta é
na base da camiseta, bermuda, tênis e calça jeans. Já as mulheres fazem o
estilo mais modernoso, com cabelos vermelhos, piercings e cortes mais
ousados. Sim, há mulheres nos estúdios de games, e não só cuecas.
Confesso que não foi tão fácil digerir a imagem de uma garota desenhando
personagens no tablet, mas, sim, elas existem. Mas não pense que toda
essa casualidade é sinônimo de bagunça. Os prazos nesse ramo são
apertados e os clientes exigentes, por isso a concentração é prioridade
na casa.
O que é preciso para trabalhar com games?
Você não precisa necessariamente ser formado em design
de jogos, até porque ainda são muito poucas as faculdades que oferecem o
curso no Brasil, mas não se engane: a grande maioria dos profissionais
que trabalha nos estúdios tem alguma formação acadêmica, vindos de
diversas áreas. Cursos que valorizem a programação, como processamento
de dados, são bem-vindos, assim como demais cursos de tecnologia e
informática. A parte criativa abraça formados em design, marketing,
comunicação social e artes. Administradores também têm sua chance, para
cuidar da parte burocrática da empresa.
São profissionais de áreas complementares, enfatiza Fernando Chamis, CEO da empresa paulistana Webcore Games.
E é importante considerarmos isso, afinal a produção de um game é um
processo que passa por diversas etapas, desde a elaboração do conceito
ao contato com o cliente e com o público. Para isso, são necessários
ótimos marketeiros e publicitários, além de assessores de imprensa e
profissionais afins. Na área criativa, há papéis para desenhistas,
ilustradores, escritores, e até músicos. Na catarinense Hoplon Infotainment,
por exemplo, o responsável pela trilha sonora do game Taikodom tem um
estúdio todo à disposição, onde fica trancafiado compondo músicas com o
auxílio de uma guitarra, um teclado, softwares, e alguns bonecos do
Sonic e dos Cavaleiros do Zodíaco.
Temos profissionais de todo tipo: desde o artista
conceitual que desenha à mão ao modelador 3D, que trabalha com
renderização de imagens e texturização, programadores de diversas
estirpes, designer de interface, testador, suporte, pessoal de conteúdo
(roteiristas), músicos, e gente de T.I., com qualificação para operar
mainframe, conta Tarqüínio Teles, CEO da Hoplon. No entanto, não basta
ter um talento bruto, já que as empresas valorizam muito quando o
profissional tem uma certa experiência e visão do mercado ou seja,
tenha um entendimento prévio de como funciona essa indústria. Afinal,
apesar de vender diversão, os games não deixam de ser um negócio, que,
como todos os outros, não são feitos à base de brincadeira.
Uma alternativa para quem tem interesse em ingressar
nesse ramo é a dica dada pelo Diretor da Tectoy Digital, André Penha,
que diz: No Brasil, as empresas de jogos começam através de um efeito
que eu chamo de bora-bora: Um cara chega na universidade um dia e fala
para o colega Bora fazer uma empresa de jogos?, e o colega responde
Opa! Bora!. Isso não é muito saudável do ponto de vista estratégico.
Existem caminhos mais interessantes, como procurar uma encubadora,
planejar o que deve ser feito, trazer para dentro da empresa uma pessoa
com experiência em administração, e ir se desenvolvendo e ganhando
base.
Mas não pense que para trabalhar em um estúdio é necessário ser um
fanático que já terminou todos os games dos Battletoads. O profissional
valorizado pelos estúdios precisa, antes de tudo, ter interesse
constante em aprender sobre o ramo e estar antenado ao que rola no
mercado. Procuramos pessoas com hardware bom, brinca André Penha,
referindo-se à tal vontade de aprender. Já Fernando Chamis
complementa: É legal ver que às vezes as melhores idéias para um
projeto saem de pessoas que não são tão hardcore gamers. Ah, e não
podemos esquecer que em todas as empresas de games é essencial que o
candidato domine outros idiomas, no mínimo o inglês.
Que tipo de game é produzido no Brasil?
Antes de sair preparando o currículo e o portifólio,
você deve estar querendo saber um pouco mais sobre a produção nacional
de games. Primeiro de tudo, é preciso colocar os pés no chão e
compreender que o Brasil enfrenta uma série de dificuldades quando
comparado a países que são potência na produção de games, como os
Estados Unidos, o Reino Unido e o Japão. Segundo Tarqüínio Teles, a
indústria nacional de games vem tendo um grande impulso nos últimos
cinco anos, no entanto é uma indústria muito nova, onde ainda temos
muita coisa para aprender, comenta, completando que o projetista de
games brasileiro tem muita criatividade, mas o que mais torna as coisas
difíceis é mesmo a falta de capital, sendo que uma das consequências
disso é impedir que criemos jogos com gráficos de última geração.
Dentre os estúdios que consultamos para realizar esta
matéria, a Tectoy Digital e a Webcore já começaram a desenvolver games
para o iPhone. Outro exemplo de sucesso é o game Drums Challenge,
produzido pelo estúdio pernambucano MusiGames,
que se tornou o 5º mais vendido da App Store neste mês (julho de 2009).
Já a Webcore exibe na página inicial do seu site o game Papercraft, que
simula uma brincadeira de aviões de papel. Com o Papercraft, queremos
mostrar às empresas a possibilidade de criar jogos patrocinados por uma
marca e disponibilizar o jogo gratuitamente na App Store, comenta
Fernando Chamis, CEO da empresa, já dando uma breve explicação sobre o
foco de seu estúdio: os chamados advergames games encomendados por
empresas para serem utilizados como peças interativas em campanhas
publicitárias.
Diferentes direcionamentos no mercado
Em um cenário como o brasileiro, onde não há um forte
mercado interno para comercializar games produzidos aqui, a solução
buscada pela Webcore parece encontrar um espaço adequado para que a
produção do estúdio chegue ao usuário final. A indústria de advergames
tem tido uma grande aceitação no mercado externo porque as empresas têm
consciência da cultura gamer proveniente do Japão e dos EUA e têm
investido em jogos como um diferencial para divulgação das marcas,
comenta Fernando, que destaca ainda que os advergames estão sendo cada
vez mais aceitos pelo empresariado brasileiro, apesar da dificuldade
inicial gerada pelo desconhecimento e preconceito com esta mídia
inovadora para nossos padrões. Outras opções de games sob encomenda com
que a Webcore trabalha são os games de treinamento, voltados para
funcionários de empresas, e games utilizados em ensino à distância
(e-learning).
Para driblar as dificuldades do mercado interno
nacional, outra solução que os estúdios têm encontrado é negociar
diretamente com produtoras de fora, ou lançar os games no exterior. A
Tectoy Digital, por exemplo, recentemente lançou um game para Nintendo
DS publicado pela gigante francesa Ubisoft, e é um dos estúdios que
aposta nas plataformas casuais, principalmente telefones celulares. E,
apesar da distância tecnológica que separa o Brasil dos países de
primeiro mundo, os estúdios nacionais também têm se arriscado em
desenvolver games com gráficos em 3D um pouco mais exigentes, como é o
caso dos games para o Zeebo console da Tectoy com qualidade gráfica
entre o Playstation 1 e o Playstation 2 e oTaikodom, MMO do estúdio
Hoplon para PC, utilizando-se de tecnologia da IBM para rodar o jogo a
partir de mainframes.
Resumindo, atualmente o Brasil conta com um número
considerável de estúdios, sendo que cada um deles encontra sua
alternativa para abordar o mercado de games. Desses estúdios, 42 são
associados à Abragames
associação que busca organizar a classe e atuar junto ao governo na
resolução de questões legais, como regulamentações e divulgação de
editais voltados a profissionais e empresas da área. Em seu site, é
possível consultar a lista de estúdios associados, com links para os
sites de cada um.
Exemplo de sucesso brasileiro vem de fora
O subtítulo pode parecer estranho, mas tudo fica claro quando você passa a conhecer a história da Playphone
empresa fundada nos Estados Unidos em 2003 pelo brasileiro Ron
Czerny, e que hoje é sinônimo de sucesso mundial no ramo de conteúdo
para celulares, incluindo vídeos, ringtones, wallpapers e, é claro,
games. Para você ter idéia, em 2008 a receita da empresa foi de US$ 70
milhões, resultado de um faturamento que cresce espantosos 400% ao ano
desde 2005. E as projeções são de ainda mais crescimento, já que a
empresa tem operações em 25 países e expandiu suas operações
recentemente para o mercado chinês, que atualmente representa um ponto
de atuação decisivo no ramo de tecnologia.
A história de amor de Ron com a indústria de games já
é antiga. Durante os anos 90 uma época em que os games ainda estavam
em estágio embrionário por aqui - trabalhou em empresas do ramo ainda no
Brasil. Em 2000, fundou já nos Estados Unidos a empresa Atrativa Games,
que foi vendida em 2006 para a Real Networks. Paralelamente à Atrativa,
Ron fundou a Playphone em 2003, através de investimento em capital de
risco. O novo foco foi no conteúdo para celular, novamente arriscando no
pioneirismo a empresa foi a primeira desse meio a vender diretamente
para o consumidor, evitando o atravesssamento das operadoras de
telefonia.
Os downloads costumam custar cerca de 1 ou 2 dólares, o
que no final das contas totaliza 90% do faturamento da empresa. Após
obter sucesso desenvolvendo e vendendo seu próprio conteúdo, a Playphone
passou a investir em grandes parcerias, produzindo games e demais
conteúdos para portais de empresas como Cartoon Network, Wall Mart, Best
Buy, Nat Geo e NBC, além de contar com licenciamentos de gigantes do
entretenimento, como a Disney, Sony BMG, Universal Music, Paramount
Pictures e SEGA. E, mesmo com toda essa exposição no exterior, a
Playphone não abre mão da atuação no Brasil, onde está presente desde
março de 2008, com um escritório que emprega cerca de 40 funcionários,
movimentando negócios com todas as operadoras de celular do país.
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