O problema com as mulheres em The Witcher
The Witcher é uma franquia muito
conhecida e com muitos fãs. Ano passado The Witcher 3 foi eleito o jogo
do ano. O RPG de fantasia medieval tem como protagonista o bruxo Geralt
de Rivia. Nesse universo, os “bruxos” são pessoas geneticamente
modificadas para ficarem mais fortes e ganham a vida matando monstros.
Apesar de nunca ter jogado, eu via certas
coisas dos fãs que me dava muita preguiça do jogo. Como fã da Bioware,
já acompanhei muitas discussões de fóruns que falavam de Mass Effect ou
Dragon Age. Não era incomum ver algum gamer machista reclamando que, ao
incluir diversidade, a Bioware estava tentando fazer aqueles jogadores
terem “vergonha de serem homens héteros” e eles iam jogar um jogo que
“não tentava envergonhar os homens héteros: The Witcher”. Considerando
que uma das coisas que fez a Bioware ganhar meu coração é exatamente o
fato deles tentarem sempre melhorar a representatividade,
automaticamente eu criei uma birra com The Witcher. Afinal se aquele
tipo de fã gostava, não sei se eu ia querer jogar.
Mas fã preconceituoso tem em qualquer
fandom, infelizmente, então nos últimos meses decidi que ia jogar a
franquia toda. Mesmo com esses comentários, muitas pessoas me diziam que
The Witcher era realmente muito bom.
Fico muito feliz de ter superado a birra
porque a franquia é de fato incrível, principalmente The Witcher 3. É um
RPG de fantasia medieval com escolhas difíceis, história interessante,
personagens cativantes… É com certeza uma das melhores franquias que
joguei na vida.
Mas nem tudo são flores. Apesar de ser um
jogo tão legal, não me surpreende tanto que a base de fãs seja composta
por tantos gamers machistas. The Witcher tem sérios problemas com a
representação das mulheres, mesmo nos jogos mais recentes. É ainda mais
triste quando percebemos que muitas das personagens de peso para a
história funcionar são mulheres, mas mesmo assim os estereótipos
aparecem.
Esse é mais um daqueles exemplos de
coisas que podemos amar mesmo vendo os problemas. Adorei mesmo passar
essas semanas como Geralt de Rivia, mas nem por isso vou ignorar certos
erros do jogo. É complicado ver um jogo tão bom em vários aspectos errar
nessas partes. É também frustrante ver que o melhor jogo do ano de 2015
comete tantos erros com suas personagens mulheres.
Eu fiz questão de jogar todos os três
jogos e as DLC antes de falar qualquer coisa para evitar o “você não
conhece a franquia” ou “mas depois melhora” (não sei se vai ajudar, mas a
gente tenta). Também entendo que os jogos são baseados em livros e
talvez os originais sejam machistas. Primeiro precisamos lembrar que
esses jogos são adaptações e mudanças são normais, ainda mais
considerando que, pelo que andei lendo, muitos fãs dos livros falam que
os jogos são bem diferentes. Segundo que alguns pontos machistas do jogo
são coisas que não apareceriam na literatura, mas são usados em
mídias como o videogame.
Caso você não tenha jogado nada de The
Witcher ainda e quer saber se deve começar a jogar sem tomar spoilers, o
que eu posso dizer é que a franquia é muito boa, ainda mais para quem é
fã de RPG e fantasia medieval, então é um título que eu recomendo, mas
saiba que você vai encontrar estereótipos e objetificação de mulheres no
jogo.
Eu vou dividir essa postagem em tópicos,
um para cada jogo e no final algumas considerações pontuais sobre as DLC
de The Witcher 3, assim você pode evitar spoilers caso não tenha jogado
algum deles.
- The Witcher 1
A primeira coisa que me chamou atenção é
que o jogo não tinha nenhuma mulher witcher. Todos em Kaer Morhen eram
homens, a única mulher era Triss, mas ela é uma feiticeira. Lembrando
que bruxos nesse mundo são matadores de monstros, os que usam magia são
feiticeiros. Além disso, a roupa da Triss tem decotes nada apropriados
para batalhas. Sim, eu sei, os que usam magia normalmente ficariam na
linha de trás da luta, mas mesmo assim, qual era a necessidade?
Geralt precisa fazer uma poção para
ajudar Triss no começo do jogo. Depois que o protagonista ajuda a
feiticeira, eles começam a conversar. Geralt tinha perdido as memórias,
mas Triss deu a entender que eles tinham um caso. Eu adoro um romance em
videogame, então escolhi a opção para os dois ficarem juntos. Eu
esperava uma cena dos dois se pegando, mas o jogo conseguiu me
surpreender, não em um bom sentido. Quando eles ficam juntos, aparece
uma carta na tela com Triss seminua.
Cada mulher que Geralt tem alguma coisa
no The Witcher 1 faz o jogador ganhar uma carta. A imagem é sempre da
mulher em questão seminua, numa posição muito objetificada. Porque
afinal de contas é isso que mulheres são, objetos e conquistas para
serem colecionadas por homens (/sarcasmo). Sério, meus olhos giraram
tanto que acho que vi meu cérebro. O jogo cria uma ideia de que Geralt é
o grande pegador, é óbvio que isso depende também das escolhas que o
jogador faz, já que é um RPG, mas essa imagem existe mesmo assim.
O jogo possui personagens mulheres
interessantes e de peso para a história, mas às vezes parece que elas só
estão ali para Geralt pegar e aumentar sua coleção de cartas. Sem
contar que às vezes essa é a única maneira de avançar numa missão. Uma
das missões secundárias é sobre um cavaleiro buscando por sua irmã
perdida e você encontra uma mulher parecida em um bordel. Depois de
esgotar todas as opções de diálogos, só tinha a opção de ir para cama
com ela. Não sabia se era isso que ia liberar o resto da missão, então
fiz e descobri que sim, Geralt precisava fazer sexo com ela para
completar a missão. A desculpa é que só aí ele vê as marcas de vampiro
no pescoço dela, mas isso podia ser lidado de inúmeras formas
diferentes.
Temos também um triângulo amoroso.
Durante o jogo ficamos próximos de Triss e Shani, uma médica que está
ajudando os doentes de Vizima. Enquanto Geralt precisa descobrir porque
Kaer Morhen foi atacada, ele encontra um garoto chamado Alvin e seus
poderes são importantes para a história. Em dado momento, depois que
você já conheceu Triss e Shani, já as ajudou e o jogo já te deu a chance
de romance com as duas, Alvin desaparece. Geralt precisa decidir como
salvá-lo e o que fazer depois. É nesse momento que a coisa começa a
ficar irritante. Triss e Shani brigam com Geralt, cada uma diz acreditar
que é a melhor pessoa para cuidar de Alvin. Mas a real é que essa
discussão não é sobre Alvin, é uma briga para ver quem fica com o
Geralt. Sim, as falas são sobre o Alvin, mas o jogo coloca de forma que
parece muito mais as duas mulheres brigando para ver quem vai ficar com o
protagonista.
As personagens são incríveis, Triss é uma
feiticeira poderosa e Shani é uma médica reconhecida e inteligente.
Nenhuma delas precisa brigar pra ficar com Geralt, mas o jogo as coloca
nessa situação, inclusive Shani fala de Triss com xingamentos bem
misóginos. Caso você ainda não ache que a discussão seja sobre isso,
vamos pensar no que acontece depois. Como Alvin tinha poderes mágicos,
eu achei que deixá-lo com a Triss fosse a melhor opção, já que ela
também tem o dom da magia. Isso fez com que Shani nunca mais olhasse na
cara de meu Geralt, ela inclusive diz “vai voltar pra sua feiticeira”.
Isso não é sobre Alvin, é uma briga clichê de triângulo amoroso. Sem
contar que o jogo não desenvolve nenhum motivo para as duas se odiarem,
elas simplesmente não se gostam e dá muito a entender que é ciúmes.
Depois dessas e de outras eu ainda dei o
benefício da dúvida. É um jogo de 2007, talvez a CD Projekt Red tenha
percebido os erros e melhorado, né? Erm… Não.
- The Witcher 2: Assassins of Kings
Não vou ser injusta e dizer que o jogo
não melhorou algumas coisas. Não temos mais o triângulo amoroso e agora
as mulheres parecem ser menos reduzidas ao estereótipo de interesse
romântico para Geralt. Ah sim, também tiraram as cartas depois das cenas
de sexo.
Geralt passa a primeira parte do jogo com
Triss e Roche. Pode ser o jeito que eu joguei, mas me pareceu que as
opções de “pegador” tinham diminuído e as interações com as mulheres
faziam mais sentido do que antes. O jogo cria um clima para que Geralt e
Triss fiquem juntos, mas a personagem parecia estar menos interesse
romântico e mais Triss. Pelo menos no começo.
Como já mencionei antes, Triss é uma
feiticeira poderosa, o primeiro jogo fez questão de mostrar isso. Ela
também fazia parte do Lodge (um grupo de feiticeiras) e era da corte de
Foltest por um bom tempo, sem contar as conquistas que ela faz em The
Witcher 3. Triss não é uma donzela indefesa, ela é uma feiticeira forte e
inteligente, mas a narrativa vai tirando isso dela depois da primeira
parte do jogo.
Depois que Geralt resolveu ajudar Iorveth
ou Roche, descobrimos que Triss foi capturada por Letho porque ela
sabia como transportá-los rápido para fora daquela cidade. Eu entendo
que bruxos são mais fortes que a maioria e faz sentido Letho ganhar a
luta contra Triss, mas será que o jogo precisava mesmo colocar a
personagem nessa situação? Nós não encontramos Triss de novo até o final
do jogo. Geralt não precisava da motivação de “salvar a namorada” para
continuar, ele já tinha a motivação de limpar seu nome e achar o
assassino do rei. A gente pode até pensar que tiraram Triss dessa parte
do jogo por causa de Philippa. É possível que Triss tivesse descoberto
os planos de Philippa antes de todo mundo, o que comprometeria o timing
do jogo, mas o roteiro poderia ter colocado ela só descobrindo do plano
mais ou menos na hora que Iorveth suspeita que tem algo errado, afinal
Philippa parece ser mais forte e mais experiente que a maioria das
feiticeiras, seria aceitável Triss não perceber a manipulação de
Philippa imediatamente.
Como eu disse antes, de fato o
estereótipo da mulher como interesse romântico diminui, mas entra outro.
Praticamente todas as mulheres do jogo são colocadas como traiçoeiras,
falsas e manipuladoras. E não, isso não acontece com a maioria dos
homens. O jogo cria uma ideia de que toda a mulher está armando alguma
coisa, e antes que você me acuse de exagerar, o próprio codex do jogo
diz isso.
E sim, eu sei o que você vai dizer: “O
codex foi feito como se fosse escrito pelo Dandelion”, mas quem escreveu
e colocou aquilo no jogo foi um dos desenvolvedores do jogo. E já que
estamos falando de codex, quase toda a página de codex no jogo sobre
mulheres fala da beleza delas. Se não me engano, o único personagem
homem que tem um codex que menciona a aparência é Iorveth, já que elfos
são considerados muito bonitos, mas ele tem uma cicatriz no rosto. Eu
gosto que o codex seja escrito como se fosse um personagem que fez, mas
todas essas coisas são desnecessárias e diminui mais o papel das
mulheres no jogo.
Voltando ao estereótipo da mulher
traiçoeira, praticamente todas as mulheres do jogo traem alguém ou são
suspeitas: Sile, Cynthia, Philippa… E sim, mulheres podem ser ruins e
vilãs, eu acho Philippa uma excelente personagem exatamente por isso,
mas o jogo coloca praticamente todas nessa posição de “cuidado Geralt,
você não pode confiar em mulher”. Há poucas mulheres consideradas
“confiáveis” que tem um papel grande no jogo: Triss, que é a “mina” do
protagonista, e Saskia, que é um caso específico.
A descrição de Saskia é: Uma matadora de
dragões que quer governar Vergen, trazendo igualdade entre humanos e não
humanos. Eu nem tinha visto a personagem e já estava apaixonada. Saskia
é incrível, ela enfrenta os nobres de outras regiões sem medo, mesmo
que suas terras tenham um poder de fogo muito menor, mas sua
representação também tem problemas. Primeiramente, além de matadora de
dragões, ela é conhecida como “a virgem”, porque aparentemente as
relações sexuais dela são relevantes para a história do jogo (spoilert:
não são). Segundo, ela é uma guerreira que usa uma armadura com decote. O
jogo praticamente não tem mulheres guerreiras, The Witcher propaga o
estereótipo da fantasia medieval que a mulher no campo de batalha
precisa fazer parte de alguma classe mágica. Quando finalmente aparece
uma mulher guerreira, ela está de decote? Isso vale para Ves também.
A narrativa diminui Saskia. Logo depois
que conhecemos a matadora de dragões, ela é envenenada e fica boa parte
daquele arco desacordada. E quem precisa juntar os elementos para
salvá-la? Sim, Geralt, porque aparentemente o único incentivo que os
roteiristas do jogo imaginam para o protagonista continuar a aventura é
salvar uma mulher. Tudo bem, trazemos Saskia de volta com a ajuda de
Philippa, mas ela está… Diferente. O que aconteceu é que enquanto
Philippa curava a matadora de dragões, ela também colocou um feitiço
para controlá-la.
No final do jogo descobrimos que Saskia
estava mentindo: ela não tinha matado dragão nenhum, ela era um dragão.
Eu amei essa virada na história, mas não posso negar que meio que
reforça a ideia da mulher mentirosa, apesar de que nesse caso específico
o jogo não parece colocá-la como malvada por isso. E não, ela ser um
dragão não justifica o decote na armadura, ela se regenera rápido, mas
ela queria se passar por humana. Mesmo que o conceito de Saskia seja
muito legal, ela passa boa parte do jogo desacordada ou sendo usada como
fantoche.
E aí temos Philippa. Eu acho ela uma vilã
incrível, não acho que tenha qualquer problema em ela simplesmente ser
má e tentar manipular todo mundo, o problema é que a maioria das
mulheres do jogo são colocadas nessa posição de suspeita. Além disso
Philippa acaba virando a “feiticeira do mal sexy” em alguns momentos.
Uma das partes do feitiço para trazer Saskia de volta é colocando uma
pétala nos lábios e beijando a matadora de dragões, e aí nós
literalmente temos um anão do lado dizendo “esse é meu tipo favorito de
magia: lesbomancia”. Não tinha a menor necessidade disso. E claro, a
cena dela e Cynthia juntas, seminua, que Geralt vê “sem querer”,
completamente feita para o olhar masculino.
O jogo também ainda adiciona uma ideia de
“mulheres feiticeiras são malvadas”, no melhor estilo época medieval
que queima bruxas quando “descobrem” que o Lodge está por trás da morte
dos reis (e está, mas foi armação de Nilfgaard). O jogo mostra várias
cenas dessas mulheres sendo mortas só por terem magia, seminuas em
posição de perigo ou passando por momentos muito violentos. Pra mim a
cena mais forte do jogo foi Radovid mandando arrancarem os olhos de
Philippa. Eu sei que é um jogo que fala sobre uma sociedade violenta,
mas é um problema atrás do outro.
- The Witcher 3: Wild Hunt
Ah, o jogo do ano de 2015! Eu imaginei
que nesse veríamos uma grande melhora. De fato há mudanças, as
personagens parecem serem mais independentes de Geralt e participam
ativamente da história, sem contar que a pessoa mais poderosa de todos
os mundos é uma mulher: Ciri. Mas mesmo assim o jogo insiste em alguns
erros que voltam a incomodar.
Além dos decotes e roupas que não parecem
muito práticas nas mulheres, todas elas usam salto. Sim, inclusive
Ciri, a guerreira do jogo. Eu não reclamaria tanto se só as feiticeiras
usassem saltos, apesar de continuar não achando prático, mas a moça que
tem que passar boa parte do tempo correndo também usa? Sem contar que
Ciri, que entra em combate direto com várias pessoas e criaturas, usa
uma blusa aberta com parte do sutiã aparecendo. O jogo ainda tenta
colocar Roche dando uma bronca em Ves por usar decote no meio de uma
luta, o que é uma tentativa meio ridícula de diálogo considerando que
foram os próprios desenvolvedores que colocaram aquela roupa nela.
The Witcher sempre teve violências
desnecessárias com mulheres e isso não diminui aqui, ao invés de
Philippa perder os olhos, no terceiro jogo temos uma cena que, se
quisermos todas as informações e terminar da melhor forma possível,
precisamos ouvir um torturador arrancar as unhas de Triss. Eu gosto da
evolução de Triss nesse jogo, ela que lidera a fuga dos feiticeiros de
Novigrad, mas esse momento de violência me pareceu muito gratuito.
Aí temos a maravilhosa Yennefer, que é
certamente uma das minhas personagens preferidas do jogo. Ela não passa
por situações de grandes apuros, é verdade, mas em compensação ela é
a “chata mandona”. Yennefer acredita que os fins justificam os meios e
os próprios bruxos a julgam por isso, mesmo agindo de forma similar.
Quando ela chega em Kaer Morhen os bruxos não perdem tempo e já reclamam
para Geralt que ela faz o que quer, de repente todo mundo esqueceu que
estão numa corrida contra o tempo. Inclusive o Vesemir tem um diálogo
que diz “eu sei que ela é o que chamam de mulher independente, mas e a
educação?” o que é de girar os olhos. Adoro o Vesemir, mas assim não dá
para te defender migo. Não é só uma vez que reclamam de Yennefer para
Geralt, são várias, e as respostas dele ficam muito no “ela é mandona,
mas eu gosto”. Sabe aquela coisa de “se um homem é firme no trabalho ele
é muito bom e se a mulher é assim ela é mandona”? A narrativa parece
reforçar isso em Yennefer.
Eu vou até dar uns pontinhos para o jogo
por mostrar uma linha de diálogo que Yennefer mostra seu ponto de vista e
entendemos um pouco o porque dela ser assim, mas uma frase faz muito
pouco contra um jogo todo. Eu amo a Yennefer exatamente por ela não
agradar os outros, acho ela uma personagem muito interessante, mas o
jogo não mostra muito o lado dela. E aproveitando que entramos nesse
assunto, vamos falar de uma das missões que representa exatamente meu
problema com o jeito que as mulheres são tratadas pela narrativa.
Em uma das missões principais,
falamos com o Barão Sangrento. Precisamos de informações sobre Ciri, o
Barão viu ela há um tempo atrás, mas como ele é um personagem de RPG,
não pode dar a informação que você quer imediatamente. Geralt descobre
que Anna, esposa do Barão, e Tamara, a filha, estão desaparecidas. Ao
longo da missão descobrimos que elas não sumiram simplesmente do nada. O
Barão batia na mulher constantemente e ela já não aguentava mais, por
isso quando descobriu que estava grávida novamente, fez um pacto com as
bruxas da floresta (que no caso não são o feminino dos bruxos do jogo)
para abortar a criança. Só que pacto com essas bruxas nunca sai barato e
quando Anna e Tamara finalmente fogem do Barão, a esposa é pega pelas
bruxas e levada para o meio da floresta.
Mais tarde você precisa fazer um favor
para as bruxas e matar um espírito da floresta, matar ou libertar o
espírito afeta diretamente o destino de Anna. Eu resolvi matar o
espírito, isso faz com que Geralt descubra que a Vó que vive com os
órfãos na floresta na verdade é Anna. As bruxas vão embora dali e Anna
enlouquece. Quando a encontramos, o Barão insiste em levá-la para uma
cidade longe que tem alguém que pode curá-la. Por mais que Tamara seja
contra no começo, por odiar o pai, as pessoas de seu novo grupo dizem
que ela deve deixar a mãe com o Barão, afinal “ele está arrependido”.
Sim, é sério.
O Barão é sempre apresentado como um cara
legal, um quase amigo de Geralt, o cara que ajudou Ciri quando ela
precisou, daí quando descobrimos que ele batia em Anna ele se mostra
como terrivelmente arrependido. Para piorar, o jogo cria uma narrativa
de redenção para ele. E caso você liberte o espírito, Anna é uma das
pessoas mortas em sua fúria e o Barão comete suicídio ao descobrir a
verdade. Quer dizer, o cara que bate na mulher pode ter um arco de
redenção dependendo das suas escolhas, mas a mulher abusada e que
aborta? Ah não, aí ela morre ou enlouquece e volta para o marido
abusivo. Afinal ele se arrependeu, tadinho, mas ela que é punida por ter
abortado e ter agido no desespero quando fez o pacto com as bruxas. Eu
acredito muito que pessoas podem errar e se arrepender, mas normalmente
quando o homem agride sua esposa uma vez, ele vai fazer isso de novo.
Particularmente acho arcos de redenção muito importantes e válidos, mas
se The Witcher queria falar disso, não colocasse na mesma missão que
lida com violência doméstica. Aparentemente o jogo acha mais relevante
humanizar o Barão do que Yennefer.
Há outras coisas que podemos citar que já
aconteceram em outros jogos da franquia: Excesso de nudez para o olhar
masculino, incluindo uma cena das bruxas “sensualizando” nuas enquanto
bebem sangue. A volta do triângulo amoroso entre Triss e Yennefer, que é
melhor escrito se comparado com o The Witcher 1, mas ainda é
desnecessário.
Eu sei o que você pode pensar, o mundo de
The Witcher é um mundo de fantasia que fala de injustiça, de violência e
de uma sociedade machista. Mas como eu disse lá naquele texto do
machismo na fantasia medieval, você pode fazer uma sociedade machista
sem uma narrativa machista. A Triss não precisava ser torturada, a Anna
podia ter ao menos uma opção de final feliz como seu agressor teve,
Priscilla não precisava ter apanhado para mostrar o sofrimento de
Dandelion, etc. Sim, The Witcher 3 acerta em alguns pontos, há uma
missão de uma mulher ferreira provando que é melhor que o homem e Cerys
pode se tornar a governante de Skellige, além do jogo colocá-la como a
mais competente desde o começo, mas esses pontos positivos não apagam os
negativos.
- Heart of Stone e Blood and Wine
As DLC de The Witcher 3 são muito
divertidas, mas elas não deixam de cometer erros. O design de muitas
personagens mulheres continua sendo sexualizado, cheio de decotes e
saltos desnecessários. Em Blood and Wine, Anna (que não é a mesma Anna
esposa do barão), a senhora de Toussaint, diz que vai acompanhar Geralt
em uma missão e ela mesma fala “espere, vou colocar uma roupa mais
confortável”. A roupa inclui um salto. O cara que faz a roupa das
mulheres de The Witcher provavelmente tem um fetiche por saltos, porque
não é possível.
Em Heart of Stone temos uma missão que
lembra a do Barão em alguns aspectos. Geralt precisa realizar três
pedidos de Olgierd e um deles é pegar a flor que ele deu para sua esposa
há muito tempo atrás. Geralt vai até a antiga mansão dele e descobre
que ele e sua esposa, Iris, eram muitos felizes, mas os pais de Iris não
os queriam juntos, então Olgierd faz um acordo com o Mestre dos
Espelhos porque não queria perder a esposa, mas isso o faz ir perdendo a
humanidade (coração de pedra, há!) o que faz com que Olgierd
machuque pessoas ao seu redor, incluindo Iris. Ela continua amando seu
marido e acreditando que ele pode mudar, mas termina seus dias
apodrecendo em sua mansão depois que Olgierd a abandona, esperando por
ele.
Como boa parte das mulheres de “coração
partido” no jogo, ela vira um espírito inquieto de vingança, mas nessa
missão especificamente nós temos a chance de dar um destino um pouco
melhor para aquela mulher. No final nós podemos pegar a flor e fazer o
espírito de Iris finalmente descansar. Engraçado que Olgierd fez um
acordo bem ruim no desespero e é humanizado pelo jogo, mas a esposa do
Barão não tem o mesmo tratamento.
Em Blood and Wine a coisa me pareceu um
pouco melhor. Apesar de Syanna ser uma vilã que é odiada por boa parte
dos personagens, o jogo consegue humanizá-la melhor e até fazer um arco
interessante dependendo das escolhas do jogador. Mas em certo momento,
no final da DLC, quando Geralt está correndo contra o tempo para salvar
Toussaint, Syanna pede para ele um “último pedido já que ela pode
morrer” que é sexo com o bruxo. Porque afinal de contas, é o que toda
mulher pede para o cara mais próximo numa situação de vida ou morte como
aquela (/sarcasmo).
Como eu disse antes, The Witcher é uma
franquia incrível e, apesar de só ter listado coisas ruins, os pontos
positivos são inúmeros, mas não dá pra ignorarmos esse tipo de narrativa
e design que diminuem as personagens mulheres. Isso porque estou
falando só desse aspecto, porque além de tudo The Witcher só tem
personagens brancos, cis e com duas menções de personagens não hétero:
Philippa e Cynthia, que é puramente para o olhar masculino, e uma missão
secundária, que se não me engano é do terceiro jogo, que um homem dizia
ser um monstro por ser gay, que nem preciso explicar o quão
problemático é.
A solução não precisa ser necessariamente
tirar todos os aspectos que eu comentei. Não tem problema mulheres
serem malvadas, traiçoeiras, sensuais, ciumentas ou qualquer coisa
parecida, o problema é essa repetição de estereótipos, é só existirem
essas opções e certos elementos serem inseridos sem qualquer sentido.
Os jogos precisam pensar na representação
de minorias. Já está na hora de criadores de universos fantásticos
medievais largarem a tal da “fidelidade histórica”
de uma época que nunca existiu. Precisamos parar de inventar desculpas e
lembrar que não são só homens brancos cis e héteros que jogam
videogames. The Witcher, eu te adoro, de verdade, mas assim não dá pra
te defender.
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